Não é segredo que a conta de energia vai chegar mais cara na casa dos brasileiros a partir de julho. Mas o que pode não estar claro, é que a dor sentida no bolso tem uma relação com o desmatamento da Floresta Amazônica.
Para entender melhor esse vínculo, o Manaus 360º entrevistou, em uma série dois episódios, o cientista Philip Fearnside. Ele é norte-americano, mas trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) desde 1995 e foi considerado pela revista Plos Biology um dos mais influentes cientistas do mundo, em 2020.
Rios voadores da Floresta Amazônica
“Em dezembro, janeiro e fevereiro são os meses mais chuvosos de São Paulo. 70% da água que cai lá, vem aqui da Amazônia e essa água que enche os reservatórios”, explica o cientista. Mas Philip Fearnside deixa claro que há mais de uma razão para os reservatórios das hidrelétricas estarem com menos água este ano.
O desmatamento, segundo Fearnside, é uma das razões. Isso porque a floresta libera uma quantidade enorme de vapor d’água transportada para as Regiões Sul e Sudeste por meio das correntes de ar, o que resulta em chuvas nos locais em que estão os reservatórios.
“[…] o desmatamento é uma coisa palatina, aumenta um pouquinho, todo ano, a área desmatada. Se continuar, vai ser uma grande perda para o Brasil porque a água que é reciclada pela floresta e carregada pelos ventos – conhecido como rios voadores – que leva para àquela região. Vai ser um desastre desmatar mais grandes áreas na Amazônia.”, diz o cientista.
Ventos do aquecimento global deixam São Paulo sem água
Fearnside também revela que o aquecimento global está mexendo na trajetória das correntes de ar. Com isso, os rios voadores podem ficar parados e não chegarem ao Sudeste. “Em 2014, estavam usando o volume morto dos reservatórios para São Paulo ter água para beber. Ficou muito perto de não ter água para beber na maior cidade do país”, lembrou o cientista para explicar os resultado práticos do fenômeno.
Somado ao caminho cada vez mais misterioso que as águas vão fazer pelos céus, está o fato de a quantidade de chuvas promovidas pela floresta não ser fixa. “Pode chover muito mais em um ano no que no outro, não é constante. Embora, desde 2014 as chuvas na parte Sudeste do país vêm diminuindo”.
BR 319 e o Sudeste sem chuvas
Para Philipe Fearnside, é preciso reservar a parte em que o desmatamento não chegou da Floresta Amazônica, mas que já está sob ameaça por conta da BR 319. “Do Rio Purús à Oeste, até a fronteira com o Perú, a Floresta Amazônica está intacta. Já a parte Leste da Amazônia está bastante desmatada”, descreve.
É o “bloco de floresta” descrito por Fearnside, anteriormente, em que os rios voadores fazem a curva. Já que não conseguem passar por cima dos Andes, e vão em direção ao Sudeste do Brasil. “E esta parte da floresta está em perigo porque nós temos a BR 319 que traz o desmatamento por conta das novas áreas que são abertas na parte preservada”, alerta.
Invasores da Floresta Amazônica
Apesar de o plano do Governo Federal não envolver mais desmatamento do que o necessário para estruturar a estrada, o cientista teme a ação de outros agentes. “Abre uma área e sai do controle do Governo. […] depois, grileiros e todos os diversos atores vão entrar por conta própria e o desmatamento segue.”, preocupa-se Philip Fearnside. “Esse é um problema grave e estamos num momento crítico”, considera.
Negacionistas e o desmatamento
A falta de chuvas, entretanto, não convence uma parte da população que o desmatamento da Floresta Amazônica e o aquecimento global existem. Por isso, perguntamos ao Philip Fearnside, que vive da ciência e é um pesquisador 1A no CNPq – nível mais alto de produtividade dos cientistas brasileiros – por que ainda existe quem negue os fatos.
Primeiramente, ele respondeu o óbvio, que o aquecimento global não é uma questão de opinião. Em seguida, alertou para o prejuízo que a onda de negacionismo pode acarretar. “A consequência é catastrófica. Pode-se acreditar em coisas sem fundamento que não tem consequência para a população em geral, mas se você nega o aquecimento global, o problema continua e fica muito mais difícil de reverter as emissões de gás. Então, precisamos parar de usar os combustíveis fósseis”.
Combustíveis fósseis
Fearnside também falou das alternativas do Brasil para fugir do uso dos combustíveis poluentes. “O Brasil tem enorme potencial eólico e solar”, opções de produção de energia que não são viáveis para todos os países, ressalta o pesquisador. Mas o país faz escolhas “conservadoras” como apostar no gás e petróleo.