O número de multas pagas por crimes ambientais nos nove estados da Amazônia Legal caiu 93% nos dois primeiros anos da gestão do ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, em relação aos quatro anos anteriores.
A análise foi feita a partir de um levantamento do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) e do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Multas ignoradas
O estudo revela que, entre 2014 e 2018, o número anual de processos que resultavam em multas pagas ao Ibama caiu de uma média de 688 para 74 em 2019 e 13 em 2020.
Em nota técnica, os pesquisadores responsáveis pela análise pontuaram que os “desmontes” da gestão Salles influenciaram desde a lavratura dos autos de infração à segurança jurídica do processo com um todo.
Sem fiscalização
Em entrevista ao Manaus 360º, um fiscal do Ibama que atua na região do Baixo Amazonas – e prefere não se identificar por medo de represálias – classificou a atividade do órgão, no estado, nos últimos anos como “burocrática”.
Segundo ele, as ações de fiscalização não ocorrem mais. “Posso afirmar que em 2020 a superintendência do Ibama no Amazonas não realizou nenhuma operação de fiscalização e muito provavelmente não vai realizar nenhuma em 2021”, disse.
A fala do fiscal vai no mesmo sentido dos pesquisadores mineiros. Segundo o estudo, há um cenário de precarização da fiscalização federal devido ao déficit de pessoal, de recursos financeiros e devido às alterações na legislação ambiental e rito sancionador, que criaram flexibilizações aos infratores ou inviabilidade operacional.
Entre os fatores que contribuíram para a impunidade pelo desmatamento ilegal, os pesquisadores citam o Novo Código Florestal, de 2012, que suspendeu parte dos 28 mil autos de infração que eram aplicados por danos cometidos contra o meio ambiente até 2008.
Clima impunidade na Amazônia
Além disso, o Novo Código também cancelou as multas aplicadas aos produtores rurais, no caso de regularização num prazo de até 20 anos.
Dentro do órgão que deveria defender o meio ambiente, o fiscal cita um clima pensado na impunidade. Para ele, os entraves não ocorrem apenas na fiscalização, mas sim em todo o processo interno.
O estudo também identificou queda acentuada no número de julgamento de multas em primeira e em segunda instância. Entre 2014 e 2018 foram 5,3 mil anuais, já em 2019 foram 113 e, no ano passado, 117 julgamentos.
Pandemia
Para o fiscal, a pandemia da Covid-19 foi usada pelo órgão como mais um impeditivo para as ações de combate ao desmatamento.
O professor Raoni Rajão, um dos coautores do estudo, explicou que, apesar das restrições impostas pela pandemia da Covid-19, os índices de multas ambientais aplicadas poderiam ser maiores.
“Se considerarmos os investimentos adicionais em fiscalização realizados por intermédio da operação Verde Brasil e a possibilidade de realizar multas e embargos remotamente, torna-se indefensável a redução tão drástica observada no número de multas e embargos nos últimos dois anos”, pontuou.
Segundo o fiscal, apesar do foco na presença de militares na Amazônia, o Ibama e o ICMBio são as entidades capacitadas para a fiscalização e a aplicação de multas ambientais. “Pra mim é como se os militares fossem uma cortina de fumaça”, classificou.
Desmatamento recorde
Dentro e fora dos órgãos ambientais, a percepção de impunidade é crescente e os dados confirmam essa percepção. Levantamento divulgado nesta segunda-feira (19) pelo Instituto Imazon identificou a maior destruição da floresta amazônica em dez anos.
Segundo o Imazon, foram mais de 8,3 mil quilômetros quadrados de mata nativa desmatados nos últimos 11 meses. Isso representa um número 51% maior que o registrado no período anterior.