Pode não parecer uma realidade tão próxima, mas o tráfico de pessoas está presente no Amazonas. De acordo com um levantamento da rede ‘Um grito pela vida’, ao menos 56 casos foram registrados nos últimos oito anos no estado.
Braço da Igreja Católica, a rede ‘Um grito pela vida’ atua há 14 anos na prevenção e na assistência a vítimas do tráfico de pessoas. A maioria dos casos têm ligação com exploração sexual e trabalho escravo.
Ainda segundo a entidade, predominantemente, as mulheres são as vítimas mais vulneráveis. Na mesma linha, a advogada Mônica Dias explica que, no Amazonas, os maiores alvos são indígenas e ribeirinhas.
Segundo Dias, que também é professora de Direito, a vulnerabilidade econômica e social faz com que as falsas promessas dos aliciadores sejam muito atraentes. “Levadas para outros estados e países, onde são vendidas, tornam-se mão de obra escrava, sofrem violência, ameaças e exploração sexual”, aponta a advogada.
Rotas do tráfico
O relatório da rede ‘Um grito pela vida’ também aponta o fluxo do tráfico de pessoas no Amazonas. No estado, os principais municípios alvos desse crime são a capital Manaus, Iranduba e Parintins.
Já os destinos mais comuns são os estados do Pará, Rondônia e Roraima (Norte); Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Centro-Oeste); Pernambuco, Ceará e Bahia (Nordeste), além do Rio de Janeiro (Sudeste).
Entre os destinos internacionais estão a Venezuela, o Suriname e a Guiana (América do Sul) e a Alemanha, Espanha e Holanda.
Escravidão da nossa época
Para Francisco Lima, secretário da Regional Norte 1 da Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB), o tráfico humano é a escravidão da atualidade. “Hoje é uma realidade mascarada, disfarçada e invisível. É a mercantilização da vida em nome do lucro, onde pessoas são consideradas mercadorias”, pontua.
Ele explica que a localização geográfica da região amazônica e a pandemia da Covid-19 favorecem a exploração humana. “A Amazônia é uma das rotas principais do tráfico humano no mundo e a pandemia tem aumentado a vulnerabilidade das vítimas”, ressalta.
De acordo com ele, existem elementos importantes que fragilizaram as mulheres em sua condição feminina na Amazônia. “Estamos numa região onde muitas menores são forçadas a se casar, onde acontece um crescente aumento do trabalho infantil no interior e nas cidades”, explica.
Francisco acredita que um dos problemas para o combate ao tráfico humano é a falta de dados. “Na verdade, os dados são pouco conhecidos, um grande problema é a ausência de dados, também a precarização da rede de proteção e do seu funcionamento”, conclui.
Punição ainda é pouca
A professora Mônica Dias fala de outro desafio: a adoção de medidas mais eficazes para combater e punir os responsáveis pelo tráfico. “A pena para o tráfico varia de 4 a 8 anos de reclusão e multa”, lamenta.
Na avaliação da professora, o tráfico de pessoas é uma atividade de baixos riscos e altos lucros. “A política de combate e prevenção desse crime ainda é extremamente ineficiente. Para mudar esse cenário é essencial que haja ações e investimentos que permitam identificar e punir as redes de tráfico e, principalmente, oferecer maior proteção e suporte às vítimas”, destaca.
Denúncias
Em um ponto, a advogada e o secretário são uníssonos: a importância de denunciar situações de tráfico de pessoas ou violações de direitos humanos. “Conscientizar e denunciar ainda são as principais armas para combater o tráfico de pessoas”, ressaltou Dias.
Os mais importantes canais de denúncia são o Disque 180 e o Disque 100, ambos mantidos pelo Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos. As ligações são gratuitas e o serviço está disponível em todo o território nacional.
Fora do Amazonas
Na semana passada, o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (Unodc) divulgou um relatório apontando que 72% das vítimas desse tipo de crime no Brasil são pessoas negras.
O Disque 180, canal gratuito de denúncias, recebeu 388 denúncias entre 2017 e 2020, 61% das quais relacionadas à exploração sexual. No mesmo período, o Disque 100 contabilizou 79 denúncias, dentre as quais 45 de exploração sexual, 21 de trabalho em condições análogas à escravidão, 11 por adoção ilegal e duas por remoção de órgãos.
Estima-se que o lucro total anual produzido com o tráfico de seres humanos na América Latina chegue a US$ 1,3 bilhão.