Nos constantes esquemas de corrupção investigados na República brasileira, o termo nota fria está presente, especialmente quando se fala em cotão. Na tentativa de driblar a fiscalização, são emitidas notas fiscais falsas, quer dizer, que não correspondem à realidade.
A falta de transparência nas casas legislativas é, segundo o contador Stanley Gomes, que trabalhar no setor de auditoria de um banco em Manaus, um dos fatores que favorece esquemas criminosos com o uso de dinheiro público.
Amon x Alemão
O aumento de 83% do valor da Cota de Atividade Parlamentar (Ceap) dos vereadores, apelidado de “cotão”, de Manaus trouxe à tona a suspeita da nota fria. Isso porque, em uma entrevista à jornalista Paula Litaiff, os vereadores Amon Mandel (sem partido) e William Alemão (Cidadania) trocaram farpas ao falarem da suspeita do crime de corrupção na Câmara Municipal de Manaus.
Como acontece
Na prática, parlamentares recebem uma verba para a atividade legislativa e esse valor varia conforme a casa, mas, a cada mês, deputados e vereadores devem prestar contas de seus gastos.
É aí que as notas frias entram no jogo. Na história da política nacional, muitos parlamentares já foram flagrados apresentando notas fiscais falsas para justificar gastos inexistentes ou superfaturá-los.
Nota fria é prática recorrente
Gomes lembra que o problema é tão recorrente que, em 2019, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais assinou um convênio para certificar firma de empresas que fornecem serviços aos parlamentares mineiros.
Em 2018, a AL-MG foi alvo de denúncias de que deputados estavam apresentando notas frias para o resgate da chamada verba indenizatória. Empresas “fantasmas” ou comandadas por laranjas serviam para justificar as despesas com compras e prestação de serviços.
Rombo de R$ 104 milhões
No mesmo ano, a operação Cashback, da Polícia Federal, revelou um esquema de fraudes com notas frias que causou um rombo estimado de R$ 104 milhões nos cofres do governo do Amazonas.
O advogado Mario Correia Lima ressalta que a prática da emissão de notas frias pode ser enquadrado em crimes como sonegação fiscal, peculato, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e organização criminosa, com penas que podem chegar a quatro anos de prisão e pagamento de multas.
Já a empresa que emitiu as notas frias pode ter sua situação cadastral baixada pela Receita Federal, o que significa que ela não poderá mais emitir novas notas, mesmo que verdadeiras, e pode até mesmo ter sua inscrição estadual cancelada.
Falha na transparência no cotão da Câmara e da Assembleia
Hoje, nenhuma autoridade responsável por vigiar o emprego de dinheiro do contribuinte (tribunais de contas, Ministério Público e polícias) tem idéia do volume de recursos fraudados, tamanha a disseminação da prática no país.
Em uma pesquisa nos portais da transparência da Câmara de Manaus e da Assembleia do Amazonas, a equipe do Manaus 360° encontrou falhas nas prestações de contas de parlamentares.
Na Aleam, por exemplo, os documentos disponibilizados trazem apenas de forma resumida com o nome do beneficiário, CNPJ, data de emissão, descrição do gasto e o valor pago. Já na Câmara dos Deputados, em Brasília, é possível ter acesso à íntegra do documento de nota fiscal.
Stanley ressalta que a transparência pública é uma grande aliada na fiscalização e na eficiência dos gastos. “Quanto mais detalhado e transparente for o gasto, melhor será o controle da sociedade sobre esses montantes”, destaca.
Como identificar
Stanley Gomes explica que, na prevenção às notas frias, a cautela é fundamental. “É sempre necessário analisar todos os dados do Danfe (Documento Auxiliar da Nota Fiscal), como CNPJ, Inscrição Estadual, valores e quantidades”, orienta.
Segundo ele, outra forma prática é verificar a validade da chave de acesso da nota fiscal, normalmente localizada no canto superior direito da nota, no site oficial da Secretaria da Fazenda identificando se a nota foi homologada pela receita e se seu status está como “Autorizada”.