(Foto: Robervaldo Rocha – Dircom/CMM)
O vereador Raiff Matos (DC), disse na sessão desta segunda-feira (14), que vai encaminhar um ofício à Secretaria de Estado de Educação (Seduc) alertando sobre um livro didático direcionado aos alunos da rede estadual que, segundo o parlamentar, “banaliza o suicídio”.
O texto questionado pelo vereador consta no livro de Língua Portuguesa, destinado ao 6º Ano, incluído na série Avalia Brasil. Trata-se de um conto de João Silvério Trevisan, intitulado “Dois corpos que caem”. Na obra, dois suicidas se encontram após se atirarem de um prédio, e durante a queda, travam um diálogo refletindo sobre o sentido da vida, a morte e o amor.
Segundo Raiff Matos, a faixa etária a qual o livro é destinado expõe o conteúdo a um público sem discernimento.
“O problema é ainda mais sério pois o livro é destinado a estudantes de 12 anos, um grupo de risco que ainda não possui maturidade para lidar com um tema tão sensível”, disse, na tribuna.
Após o discurso, Matos, através das redes sociais, confirmou que encaminhou ao Ministério da Educação um pedido para que se retire conteúdos do gênero de livros didáticos.
“O próprio presidente Jair Bolsonaro falou durante sua última live sobre a necessidade do encaminhamento de denúncias sobre materiais e conteúdos didáticos que são inadequados para a formação de estudantes. Por tudo isso, encaminhei ao Ministério da Educação questionamento para a retirada desse tipo de conteúdo dos livros didáticos disponíveis ao Estado”, disse, em post publicado ainda nesta segunda.
Especialista discorda e fala em censura
Para o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutor em linguística e psicólogo Sérgio Freire, retirar conteúdos do gênero de livros didáticos é censura, que neste caso, baseia-se numa leitura totalmente particular, que embora não possa ser ignorada, definitivamente não é a única possível para a uma obra literária.
“O sentido do texto não está no texto em si, portanto sendo inútil seu recolhimento ou banimento. Isso é censura pura e simples e em se tratando de texto literário é um desserviço retirar de circulação um texto que traz temas importantes a serem discutidos por professores e alunos e que fazem parte da realidade da vida, nesse caso específico poderia ser usado para se discutir o Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio. A leitura de “banalização do suicídio” é uma leitura entre várias outras possíveis. Mas não é a única. O texto de Trevisan fala muito mais das questões existenciais do que de suicídio, que serve de cenário para o diálogo que, este sim, deve ser contextualizado e problematizado pelo professor”, disse.
Sérgio, que também é líder do Programa de Pós-Graduação em Letras da Ufam, e que já participou como especialista de avaliações do Programa Nacional do Livro Didático, explica que todo o material que chega aos alunos já passa por um crivo composto por profissionais legitimados para tal.
“Quanto à adequação ou não de um texto para uso pedagógico, isso depende de vários fatores, sendo o principal deles a legitimidade do avaliador. Todo livro recebido pelas secretarias de educação do Programa Nacional do Livro Didático é criteriosamente avaliado por especialista a partir de referenciais transversais, em um processo muito sério de avaliação. Para que o livro chegue na sala de aula, há avaliações pedagógicas que o credenciam para tal e um vereador, a partir de sua leitura particular, é uma das pessoas menos legitimadas para opinar sobre o assunto”, completou.
No final do mês de agosto, Raiff Matos, publicou um vídeo em suas redes sociais de uma fiscalização em livros paradidáticos na Semed para “verificar a existência de conteúdo de doutrinação que os pais não concordem”. Vale lembrar que no site da Câmara, consta no perfil de formação do vereador, que ele tem MBA Executivo em Gestão Empresarial, além de ser bacharel em marketing e teologia, mas nada sobre pedagogia ou educação infantil. Na época, questionada pelo Manaus 360, a assessoria do parlamentar respondeu que “O principal objetivo é verificar a adequação às normas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a utilização da norma culta da língua portuguesa”.
Para Sérgio Freire, que também é escritor e autor de sete livros, é clara a tentativa de legislar além da própria competência.
“Essa questão só vem à tona exatamente por extrapolação de competência. Ao vereador não cabe legislar sobre conteúdos educacionais. Para isso existem os Parâmetros e as Diretrizes Curriculares Nacionais, a BNCC, a LDB e todo um regramento discutido por especialistas. Talvez fosse mais interessante, e essa é sua função, o vereador lutar por uma ampliação do percentual dos recursos para educação na Lei Orgânica do Município para além do mínimo constitucional. Ele certamente colaboraria muito mais com a qualidade da educação do que essa intervenção indevida nos conteúdos educacionais a partir de valores e leituras que são suas e que, por serem suas, deveriam ser guardadas para si”, concluiu.