A segunda-feira chega com o início de mais uma edição do principal reality show do Brasil, o Big Brother. Em 2022, o programa completa 20 anos em terras tupiniquins e é visto como um precursor para a enxurrada de atrações do gênero que surgiram ao longo das duas últimas décadas, que vão desde competições para escolher o melhor cantor, ou o melhor cozinheiro, ou o melhor ferramenteiro, até programas onde é possível reformar a casa, o carro e até mesmo encontrar um grande amor. Tudo em frente a uma câmera, ou algumas dezenas delas.
Saturado no final dos anos 2000, esse formato de programa ganhou um fôlego – talvez até uma nova vida – com a popularização da internet. Agora, as pessoas podem interagir em tempo real e montar fã-clubes virtuais para torcer por determinados participantes ou até mesmo se unir para escurraçar outros. Há quem inclusive nem assista religiosamente aos programas, mas consiga se divertir com os memes que inundam as redes sociais a cada episódio que vai ao ar. O próprio perfil dos participantes foi mudando com o tempo, com a presença de influenciadores digitais, que apesar de famosíssimos em seus respectivos nichos, são praticamente anônimos para grande parte do público.
E quando a pandemia de Covid-19 trancou boa parte do Brasil em casa, em março de 2020, bem na época em que o programa estava em andamento, o desespero por entretenimento caseiro fez com que muitas pessoas que haviam deixado de ver o reality voltassem a “dar uma espiadinha”. Aí, o que já dava resultado em termos de audiência passou a dar ainda mais, e aquilo que já fazia sucesso na internet voltou a ser o fenômeno que foi nas primeiras edições.
E como tudo que vai para a internet, os reality shows também causam polêmica e dividem opiniões. O caso do BBB é incônico porque talvez o programa seja amado na mesma proporção que também é odiado por parte da web. Os haters costumam taxar os fãs da atração como menos inteligentes e sem cultura, mas para especialistas e intelectuais, não é bem assim.
‘Ninguém vive sem se alienar’
O professor Sérgio Freire, linguista renomado da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), ao mesmo tempo que é bastante respeitado no meio acadêmico, também não esconde que se diverte com o programa, e ajuda a repercutí-lo nas redes sociais. De dentro do seu campo de atuação, ele critica o uso do termo “alienação” de forma pejorativa para falar sobre quem gosta de reality shows.
“Quem fala que e o BBB é alienação está certo e está errado. Alienar vem do latim alienare, que significa abrir mão de algo. O povo se aliena naquilo que lhe diz respeito. Eu me alieno na linguagem, por exemplo. Muita gente se aliena na política, outros na causa animal e outros no BBB. Ninguém vive sem se alienar, sem se entregar a alguma coisa. Não existe uma somatória do tipo “preciso tirar [interesse] do BBB pra aumentar na política”. São coisas paralelas. A política, por exemplo, só vai melhorar quando as pessoas que enchem a boca para falar horrores do BBB começarem a lembrar em quem votaram nas últimas eleições, cobrarem seus representantes, parar de estacionar em vaga de idoso sem ser idoso”, disse.
Para ele, quem critica os reality shows unicamente para passar uma imagem intelectualmente superior, apenas reforça um preconceito cultural.
“Como é que nós, dentro do que cada um faz, na divisão social do trabalho, pode ampliar os limites para que o maior número de pessoas circule socialmente e possa enlarguecer a participação do cidadão em outros espaços? Isso, sem querer, numa atitude autoritária, julgar e apagar os poucos espaços que essas pessoas têm de curtir, de ser feliz, de se alienar em algo que lhe dê prazer. Desconstruir um pensamento é melhor que destruir, mas também é mais difícil, daí a intolerância crescente. É um equívoco muito grande estabelecer rótulos do tipo “quem curte BBB é alienado e automaticamente quem não curte é cult”. Isso não passa de um preconceito cultural que elimina aquilo que culturalmente não me agrada ou não me pertence. Esses julgamentos morais ou valorativos dizem muito mais sobre quem julga do que sobre quem gosta do programa”, concluiu.
O Brasil se vê nos realities
Para o cientista social Gade Pedrosa, a identificação do público com reality shows como o BBB se dá pelos pontos de conexão que se estabelecem com os participantes, aliado a uma poderosa estratégia de marketing e o próprio formato do jogo, delineado de modo que sempre gere conteúdo a si mesmo.
“Naturalmente nos interessamos em saber sobre outras pessoas porque vivemos em uma sociedade e a razão de ser dela são as relações sociais, de onde aprendemos, ensinamos, influenciamos e somos influenciados. O sucesso de audiência do Big Brother Brasil acontece porque o programa é uma vitrine de consumo; o formato dele é pensado e executado pra provocar conflitos entre os participantes e nas edições mais recentes, a participação de celebridades e subcelebridades garantem engajamento de seus públicos cativos. Fora isso, os competidores representam diversos segmentos da sociedade. também representam opinões políticas e religiosas, então, naturalmente, o público se identifica com os participantes por origens e opiniões em comum”, disse.
Ao tentar explicar rejeição que a atração sofre em paralelo ao sucesso de audiência, ele destaca uma diferença cultural relevante.
“As críticas e comentários negativos sobre o programa tem a ver com pessoas, que por razões diversas – destaco aqui as religiosas, sem excluir outras de ordem material que dificultam acesso ao pay-per-view, ou rotinas de trabalho e estudo conflitantes – não se identificam com o que o programa apresenta, e alguns nichos sociais que preferem não consumir produtos culturais de massa com intenção de fazer distinção social e econômica de outros nichos, usufruindo de produtos serviços diferenciados, em vez do programa”, concluiu.