Com o aumento no número de pessoas em situação de vulnerabilidade, é quase impossível não ser abordado por pedintes nos centros de compras de Manaus. Esse cenário tem gerado preocupação por parte de lojistas, que se sentem incomodados com a presença dos pedintes, segundo o vereador de Manaus Dione Carvalho (Patriota).
Nesta terça-feira (10), o vereador Dione Carvalho sugeriu que os shoppings adotem “critérios” para permitir a entrada de pessoas, e revelou que pretende apresentar, a pedido dos lojistas, um projeto de lei para “aumentar a sensação de segurança” nos shopping centers da capital.
Critérios anti-pedintes
Durante um pronunciamento, o parlamentar afirma que foi procurado por lojistas de vários shoppings de Manaus que reclamaram da circulação de pedintes e da ação de gangues que se encontram para brigar. Ele sugeriu que haja critérios para que uma pessoa entre no shopping, mas sem especificar que critérios seriam esses.
“Desde que eu me entendo por gente, eu ia para o shopping e tinha critérios para entrar. E hoje, por incrível que pareça, não só eu, mas a população em si, até os senhores vereadores, já passaram por uma situação semelhante dentro de algum shopping, e eu vejo que ninguém faz nada para coibir, para restringir”, disse o vereador.
Ele completou a fala com um exemplo hipotético. “Porque quando você está sentado com a sua família esperando alguém fazer as compras, vem alguém lhe pedindo alguma coisa. E se você não der aquela ajuda, aquele dinheiro, eles xingam a gente e chamam a gente com palavrões de baixo escalão (sic)”, continuou.
Em resposta, o vereador Raulzinho (PSDB) pontuou que a segurança dentro dos shoppings é de responsabilidade dos administradores do empreendimento, que é particular. Já William Alemão (Cidadania) disse torcer para que o colega apresente um projeto que não seja barrado na Comissão de Constituição da CMM.
‘Subcidadãos’
O doutor em sociologia Fábio Candotti, criticou a postura dos parlamentares, mesmo com a ideia ainda não tendo se tornado um projeto de lei. Ele vê a ideia como uma afronta à Constituição.
“Os representantes do povo deveriam se preocupar, primeiro, com as inúmeras violências sofridas pela população em situação de rua. População que, por sinal, cresceu muito nos últimos anos, sem a devida atenção por parte do Estado. Criar leis para controlar a entrada desses cidadãos em estabelecimentos privados é uma afronta à Constituição. Vão criar uma categoria de subcidadãos? Quem vai decidir quem está apto ou não para entrar?”, questionou.
A gerente financeira, Marly Sampaio, que frequentadora dos shoppings de Manaus, conta que já presenciou cenas de terror. Para ela, a falta de perspectiva leva pessoas em situação de vulnerabilidade a atos desesperados.
“Esta semana mesmo presenciei uma mulher que estava pedindo, foi notada pelo segurança do shopping, que pediu que ela se retirasse. Ela ficou revoltada e saiu batendo em tudo que via pela frente. Senti muita dó da mulher porque imaginei o desespero dela. Fome dói e só quem passa sabe. A gente que precisa ir ao shopping quase todo dia para resolver alguma coisa ou parar pra comer, por exemplo, fica até numa situação complicada, porque é impossível ajudar todo mundo. Eu espero que o poder público se movimente, mas para criar políticas públicas que possibilitem a essas pessoas uma vida onde não é necessário pedir em qualquer lugar que seja”, completou.
Números da pobreza são pobres
De acordo com a Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc), atualmente, 1.200 pessoas em situação de vulnerabilidade, nem todos moradores de rua, são monitorados para que tenham acesso a serviços socioassistenciais como acolhimento institucional, albergue e cozinhas comunitárias. Mas a pasta admite que o número é “flutuante” e que aguarda o término do Censo 2022 para ter um dado mais preciso.
A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) chegou a encabeçar uma campanha para que as pessoas não dessem esmola nos shoppings, mas após a repercussão negativa, retirou totens que estavam espalhados em alguns empreendimentos da capital. O foco da campanha agora é a conscientização das pessoas a respeito do ato de usar crianças para mendicância. Confira a nota enviada pela secretaria:
“A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) articula, coordena e executa, por meio da Secretaria Executiva de Direitos da Criança e do Adolescente (Sedca), ações voltadas à erradicação e prevenção do trabalho infantil.
Deste modo, são realizadas no decorrer do ano ações de conscientização e sensibilização da população, em semáforos de trânsito, terminais de ônibus, shopping centers, escolas públicas e privadas, e comércio em geral. Com a fixação de cartazes, demonstração de faixas e banners, e distribuição de informativos como flyers, ventarolas e folders voltados à temática.
A pasta realiza a ação “Não troque a infância por moedas” feita de forma semestral na cidade de Manaus. Possuindo atualmente totens fixos em alguns pontos da cidade.
A Sejusc também participa ativamente como membro das reuniões e ações do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente no Amazonas – FEPETI/AM, que possui amparo no Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI.
Por fim, a pasta conta com uma rede de serviços em parceria com a Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), com os Conselhos Estadual e Municipal de Direitos da Criança e Adolescente, Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas – TJAM e Ministério Público do Trabalho (MPT) da 11ª Região”, diz a nota.
Shoppings aguardam desdobramentos
Apesar de, segundo o vereador Dione Carvalho, a reclamação ter partido de lojistas dos shoppings, os empreendimentos, responsáveis pela própria segurança, preferem não se comprometer. A reportagem do Manaus 360º tentou contato do diversos shoppings da capital, mas até o fechamento da reportagem, apenas Millenium Shopping e Manauara Shopping haviam respondido, o primeiro para dizer que não se pronunciaria sobre o assunto, e o segundo para orientar que a Sejusc fosse procurada para falar. Amazonas Shopping e Shopping Ponta Negra prometeram resposta, mas não enviaram uma, enquanto o Plaza Shopping apenas não respondeu.
Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce) enviou uma nota dizendo que realiza um trabalho de orientação das equipes para lidar com a presença de pedintes nos shoppings, que mantém um sistema de monitoramento por vídeo para salvaguarda de todas as partes, mas que neste momento não vai se manifestar sobre uma possível regulação da entrada nos centros comerciais, aguardando pelos desdobramentos da situação. Confira a nota na íntegra:
“A Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) entende que a situação ocorrida no Amazonas, referente às pessoas em situação de vulnerabilidade social em torno de shoppings, já está sendo atendida em conformidade com as orientações da entidade, que prevê um trabalho de orientação de suas equipes para este tipo de atendimento.
Os times de Operações dos empreendimentos são treinados para a realização de atendimentos em local adequado, monitorado pelo sistema de CFTV, para salvaguarda de ambas as partes. No caso de crianças e adolescentes, a orientação às equipes é para que sejam acionados os órgãos públicos competentes para o desfecho adequado.
A Abrasce acompanha as discussões da Câmara em torno de uma possível regulamentação da entrada em estabelecimentos privados, mas aguarda os próximos desdobramentos para se manifestar futuramente”, diz a nota.