A Polícia Federal registrou 548 novas armas no primeiro semestre deste ano no Amazonas. Deste total, 62% foram registradas por cidadãos comuns. Segundo especialistas ouvidos pelo Manaus 360°, isso demonstra um avanço da política armamentista no estado.
Os dados totais deste primeiro semestre mostram um aumento de 75% no número de registros em comparação com o mesmo período do ano passado. No primeiro semestre de 2020, a PF registrou 312 novas armas no Amazonas.
Retórica Vazia
Para o doutor pela PUC-RJ e conselheiro do Fórum Nacional de Segurança Pública, Daniel Cerqueira, os argumentos dos que defendem flexibilização no acesso a armas são “retórica vazia”.
Desde que assumiu o poder, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) baixou uma série de decretos que flexibilizam a posse de armas no Brasil. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, onde teria pressionado o ex-ministro Moro para interferir na PF, Bolsonaro chegou a afirmar, categoricamente, que queria “todo mundo armado”.
De acordo com o especialista, os decretos presidenciais desmontam toda a regulação no processo de compra e registro de armas. “Qualquer pessoa que quiser ter arma de fogo pode ter”, conclui Cerqueira.
Segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública, em dezembro de 2020, o Brasil atingiu a marca de 2 milhões de armas particulares. Isso significa uma para cada 100 brasileiros.
Mais armais, mais crimes
Na avaliação de Cerqueira, não há dúvidas que a taxa de crimes deve aumentar no Brasil. “Não existe nenhum artigo científico publicado nos grandes periódicos internacionais que mostre que mais armas diminuem crimes”, argumenta.
A diretora do Instituto Igarapé, Melina Risso, sustenta que armas não são instrumentos de defesa, mas sim de ataque.
“A vítima, mesmo tendo uma arma em casa, não conta com o elemento surpresa. O bandido, quando quer roubar uma casa, planeja o ataque justamente para o momento em que a vítima menos espera. Como a arma para a autodefesa costuma ficar escondida num lugar de difícil acesso, pelo perigo que representa para a família, o cidadão dificilmente consegue alcançá-la a tempo para contra-atacar”, ressalta.
Pró-armas
Na contramão do que acreditam Cerqueira e Risso, é possível ver diversos outdoors com discursos pró-armas pelas avenidas de Manaus. Em junho, um outdoor com a frase “O povo armado jamais será escravizado” foi instalado na avenida Coronel Teixeira, que dá acesso à praia da Ponta Negra.
Em outro ponto da cidade, na Avenida André Araújo, outro outdoor estampa “Onde o caseiro estava armado, o bandido não vitimou”, em referência à fuga de Lázaro Barbosa, morto pela Polícia Militar de Goiás no dia 28 de junho.
Em pesquisa nos perfis de rede social do grupo “Direita da Floresta”, a reportagem contabilizou ao menos outros 14 outdoors de teor armamentista espalhados por Manaus desde o início do ano. O grupo é liderado por Monique Benetton, que frequentemente posa em fotos portando armas e em clubes de tiro.
Clube de tiro
Na percepção de Monique, o interesse por armas de fogo realmente tem crescido no Amazonas. “Antigamente o cidadão comum estava mais ou menos limitado, mas isso foi mudando de 2019 pra cá”, afirma.
“Existe sim uma grande movimentação sobre esse assunto”, ressalta Benetton, lembrando também o crescimento de lojas e clubes de tiros em Manaus.
“Em qualquer clube de tiro que você passar, você vai ver que há cursos para cidadãos comuns. Então, assim, a procura é muito grande, inclusive pelas mulheres”, destaca.
Jogo político
O discurso armamentista tem encontrado apoio entre os parlamentares. O PL que liberou o porte de armas para caçadores foi aprovado no Congresso Federal com o apoio de três dos oito deputados da bancada amazonense: Átila Lins (PP), Delegado Pablo (PSL) e do Capitão Alberto Neto (Republicanos).
Crítico das medidas armamentistas, o deputado estadual do Amazonas Serafim Corrêa (PSB) acredita que flexibilizar a legislação fortalece apenas o crime. “Para o quê alguém precisa de seis armas? Ele só tem duas mãos. Isso é para armar milícias, isso é para desviar armas”, defende.
“Armas não trazem vida. O que traz vida é o amor, a paz, tão bem representado pela pomba da paz. O que o povo brasileiro precisa não é de armas, mas de ser vacinado”, pontua o parlamentar.
Reação no STF
Numa carta pública endereçada ao Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro deste ano, o ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann pediu que os ministros do tribunal reagissem à política armamentista do governo Bolsonaro.
Ele apontou o risco de as armas nas mãos de civis levarem ao “terrível flagelo da guerra civil” e provocarem uma “gravíssima lesão ao sistema democrático”.
Jungmann escreveu: “Lembremo-nos dos recentes fatos ocorridos nos EUA, quando a sede do Capitólio, o Congresso Nacional americano, foi violada por vândalos da democracia. Nossas eleições estão aí, em 2022. E pouco tempo nos resta para afastar o inominável presságio”.
Questão de segurança
Daniel Cerqueira defende que a eficiência do Estatuto deve ser auferida pelo número de mortes estimadas que evitou, desacelerando a taxa de crescimento do número de homicídios.
Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, nos 14 anos anteriores ao Estatuto do Desarmamento, os assassinatos por tiro no Brasil subiam 5,5% anualmente. Nos 14 anos seguintes, passaram a subir apenas 0,85% a cada ano.
O Ipea também indicou que, cada vez que o número de armas de fogo em circulação no país sobe 1%, a taxa de homicídios se eleva em 2%. Após dois anos em queda, as mortes violentas voltaram a crescer no Brasil em 2020.