Somente em 2020, o Brasil contabilizou 1.350 casos de feminicídio – um a cada seis horas -, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O feminicídio é o assassinato de mulheres cometido em razão do gênero, ou seja, a vítima é morta pela condição de ser mulher, que envolve violência doméstica e familiar, qualificada na Lei 13.104/15, como crime hediondo. Assassinatos praticados, em sua maioria, por companheiros ou ex-companheiros, como o “Caso Jerusa”, crime cometido em 2018.
Caso Jerusa
O caso ocorreu em 12 de abril de 2018, na casa em que o casal Ivan Rodrigues Chagas e Jerusa Helena Torres Nakamine moravam, no conjunto Campos Elíseos, zona Centro-Oeste de Manaus. Conforme os laudos policiais, Jerusa foi morta a golpes de faca. “Segundo consta no incluso inquérito policial, o casal se encontrava em processo de separação, com considerável patrimônio a ser partilhado. Ainda de acordo com o que consta nos autos, o motivo do crime foi ciúmes e tentativa de obter vantagem econômica ao evitar a partilha de bens”, de acordo com o Ministério Público.
Ivan Chagas foi denunciado por homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima e contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
Ivan foi condenado a 27 anos de prisão pelo Conselho de Sentença da 2° vara do Tribunal do Júri da comarca de Manaus no julgamento da Ação Penal n.º 0624832-33.2018.8.04.0001.
O julgamento, que foi o mais longo registrado este ano, começou na última quinta-feira (2) e foi encerrado na noite dessa segunda (6), no Fórum de Justiça Ministro Henoch Reis, no bairro de São Francisco. A Juíza presente na sessão, sentenciou o réu em 27 anos de reclusão, inicialmente em regime fechado e decretou prisão preventiva para o cumprimento provisória da pena, conforme o artigo 492 do Código Penal Brasileiro (CPP).
Violência Doméstica
Histórias que sinalizam um final como o de Jerusa são comuns entre as mulheres brasileiras. A vítima de violência doméstica por 8 anos, que optou por não revelar a identidade, hoje fala ao Manaus 360º sobre os traumas que o relacionamento deixou e o quanto ela imaginou que o pior poderia ter acontecido.
“Levo traumas que são piores que cicatrizes. E não digo só a mim, mas também para quem têm filhos, que às vezes pode ser algo irreversível. O medo te deixa no estado de inércia, a opressão e os abusos psicólogos são as piores partes que lembro. Frases como: “você só vai ser mais uma”, “tu só vai ser mais uma estatística”, “tu só vai sair daqui (a casa onde moravámos) morta”. É algo que jamais irá se apagar da minha mente”, e ainda que a justiça ampare no processo da desvinculação, nem sempre se faz suficiente para determinados casos. “Um relacionamento abusivo não acaba quando termina. Precisei agir como uma fugitiva por muito tempo para ele não me encontrar, mesmo com a medida protetiva que impedia contato comigo”, contou.
E diante de uma nova realidade, após sair do ciclo de abuso, a liberdade é o que dá esperança para continuar.
“É preciso ter muita coragem pra dizer que vc não quer mais e de fato sair do relacionamento. De todas as coisas que pensei em ter acontecido sei que o pior não aconteceu. Hoje, sou grata pela força que tive e por estar conseguindo ter uma vida melhor com minhas filhas”
Das ‘pequenas’ violências ao feminicídio
Em 2021, mais de 80% dos autores de feminicídio são os ex-companheiros e mais de 50% das ocorrências são dentro de casa e com uso de arma branca, segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
A advogada da OAB-Amazonas e autora do livro “Feminicídio”, Cynthia Rocha, explica que o crime faz parte de uma série de ações violentas, em que muitas vezes a mulher nem percebe que está inserida nesse cenário. “São tapinhas, puxões de cabelo, restrições do modo como se vestir, com quem falar, de não sair de casa, discussões e ameaças. Comumente, o feminicídio ocorre no término da relação do casal, onde o homem não aceita a decisão da mulher e reproduz a máxima de ‘ou comigo ou com ninguém mais’.”
Nesse contexto, sair da relação se torna um desafio pelas inúmeras violências praticadas contra a mulher, uma delas é a psicológica junto a dependências. “A violência psicológica faz com que muitas mulheres acreditem que são culpadas pelas brigas ou pela violência cometida. Muitas são dependentes financeiramente, emocionalmente, têm filhos e preferem ficar num relacionamento abusivo a sair e não ter para onde ir ou como se prover sozinha.”, declara Cynthia Rocha.
Portanto, a rede de apoio é imprescindível para reduzir e acabar com o número de vítimas nessas condições. Em Manaus, por exemplo, essa rede é denominada de “Rede Rosa” e é composta por órgãos e entidades para amparo às vítimas, que deve está atrelada a disposição para uma mudança social. “Ainda há muito o que fazer. Existe um número alto de subnotificações que compõem uma cifra oculta de assassinato de mulheres em razão do gênero. A verdadeira mudança virá com políticas públicas mais abrangentes, com a desconstrução do machismo, com a educação e o respeito aos direitos humanos das mulheres”, afirma a advogada.