Instituído pela resolução legislativa nº 71 de 1977, o título de Cidadão do Amazonas é uma das principais honrarias concedida pela Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). No entanto, muitas vezes parlamentares apresentam projetos para conceder a honraria a aliados políticos, familiares e outros indivíduos que não possuem feitos notórios pelo estado.
Pelas regras da Assembleia, há três possibilidades para a concessão da honraria:
- pessoas que tenham prestado serviços relevantes ao Estado e ao povo amazonense;
- pessoas que tenham prestado benefícios morais ou materiais de grande realce e reconhecimento público;
- e pessoas que propaguem e defendam as tradições, cultura, história e o potencial econômico do Amazonas.
Em todos os três casos, a pessoa agraciada precisa ter reputação e moral ilibadas.
Polêmicas atuais
Um dos casos mais recentes é o da deputada estadual Débora Menezes (PL), que propôs a concessão do título à ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (PL). A proposta foi apresentada no momento em que a Michelle está no centro de um escândalo envolvendo joias dadas ao governo federal pela Arábia Saudita.
Há suspeitas de que o governo Bolsonaro tentou se apropriar dos diamantes para presentear a ex-primeira-dama pessoalmente. Na justificativa do projeto, Débora faz um uma série de citações a feitos da esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas nenhum deles especificamente é relevante para o Amazonas.
Outro novato, o deputado estadual Dan Câmara (PSC) propôs duas concessões de título de cidadão a seus dois irmãos, os pastores Jônatas e Samuel Câmara. Jônatas é presidente da Igreja Assembleia de Deus no Amazonas (Ieadam), enquanto Samuel preside nacionalmente a Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB).
A família Câmara e os membros da Assembleia de Deus possuem forte influência política no Amazonas. No ano passado, já em meio à campanha eleitoral, o vice-presidente da igreja, Moisés Melo, pediu votos para os candidatos apoiados pela denominação durante um culto.
Ao lado dele estavam o vereador Joelson Silva (Patriota) — que concorreu, sem sucesso, a uma vaga na Assembleia Legislativa —, o deputado estadual Dan Câmara (PSC) e o deputado federal Silas Câmara (Republicanos). O caso gerou uma multa de R$ 15 mil para cada um na Justiça Eleitoral.
O deputado estadual João Luiz (Republicanos), veterano na Aleam, também apresentou uma proposta de título de cidadão do Amazonas nesse início de legislatura. O parlamentar propôs conceder a honraria ao colega de bancada Mário César Filho (União Brasil), natural do Rio Grande do Norte.
Nas justificativas, João Luiz destaca a atuação de Mário César Filho como repórter investigativo e âncora de programas policiais locais. O deputado também pontua que Mário defende os valores cristãos, a família e tem como uma de suas bandeiras a defesa das pessoas com deficiência e autismo.
Intenção política
Conceder projetos para aliados e pessoas alinhadas politicamente com os deputados estaduais não é novidade. Só em 2022, os parlamentares da antiga legislatura aprovaram 42 títulos de cidadão do Amazonas.
Entre esses projetos estão três do deputado federal Fausto Junior (União), então deputado estadual, concedendo a honraria ao senador Marcos Rogério (PL), de Rondônia, ao ex-ministro da Controladoria-Geral da União Wagner Rosário e ao empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan.
Os três têm em comum a proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem Fausto Junior apoiou nas eleições de 2022. Marcos Rogério, contudo, possui ainda o bônus de ter sido um opositor ferrenho do senador Omar Aziz, desafeto político de Fausto, durante a CPI da Covid no Senado Federal.
O alinhamento ideológico também garantiu o título de cidadão do Amazonas ao ex-presidente Bolsonaro. A proposta do deputado Delegado Péricles, então filiado ao extinto PSL, foi aprovada em regime de urgência com apenas um voto contrário do ex-deputado Serafim Corrêa (PSB). O petista Sinésio Campos, também opositor de Bolsonaro, não estava presente.
Durante todo seu mandato, Jair Bolsonaro inaugurou apenas uma obra pública no Amazonas: uma ponte de madeira em São Gabriel da Cachoeira, município mais indígena do Brasil e que deu maioria de votos para Lula nas eleições de 2022. O presidente também se notabilizou por prejudicar a Zona Franca de Manaus com os decretos que diminuíram o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sem dar exceção aos produtos fabricados no Polo Industrial da capital amazonense.