Concebida na gestão de Juscelino Kubitschek e implementada de fato na ditadura militar durante o governo de Castelo Branco, a Zona Franca de Manaus completa 56 anos nesta terça-feira (28) sem um superintendente oficial indicado pelo presidente Lula (PT) e na mira da reforma tributária em análise na Câmara dos Deputados.
Meses após o decreto-lei instituir a Zona Franca, o então governador Danilo de Mattos Areosa (Arena) lançou o marco inicial da construção das primeiras fábricas do que viria a ser o Polo Industrial de Manaus.
O intuito inicial da ZFM, segundo a própria lei que a fundou, era criar “uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento”.
Os governos da ditadura militar investiram atenção especial ao território amazônico temendo invasões estrangeiras em meio à Guerra Fria. Décadas mais tarde, a Zona Franca de Manaus saiu de uma tentativa de colonização do Norte para o fator principal da preservação ambiental da Amazônia.
Ataques recentes
O modelo de desenvolvimento da Amazônia sempre foi alvo de críticas de outros polos industriais do Brasil, os quais viam como injustos e improdutivos os incentivos fiscais concedidos à ZFM. Nos últimos anos, o polo industrial sofreu duros ataques, principalmente durante os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
A bancada amazonense em 2018 conseguiu diminuir os efeitos de um decreto de Temer que afetava negativamente o polo de concentrados da Zona Franca, um dos principais segmentos do setor no Amazonas. Já na gestão de Bolsonaro, os parlamentares foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decretos do presidente e do então ministro da Economia, Paulo Guedes, que diminuía o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em todo o país, prejudicando a competitividade do PIM.
O novo governo Lula elegeu-se com a promessa de manter as vantagens da Zona Franca de Manaus, promessa que foi repetida pelo vice-presidente e ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior, Geraldo Alckmin (PSB), a parlamentares amazonenses.
Contudo, o governo apoia um projeto de reforma tributária do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que foi elaborada em parceria com o economista Bernard Appy, atual secretário extraordinário da reforma tributária, que já demonstrou ser contrário às vantagens do Polo Industrial de Manaus e foi criticado pelo deputado Amom Mandel (Cidadania) por contrariar o discurso do presidente da República.
Novo superintendente
A demora na indicação de um superintendente oficial para a Suframa também tem gerado desconfianças sobre a importância dada pelo governo federal às questões da Zona Franca de Manaus. O economista Jessé Rodrigues, membro da Coordenadoria Geral de Estudos Econômicos e Empresariais da Suframa, deu uma resposta tranquilizadora quanto a essa questão.
Devido ao desmembramento do Ministério da Economia nos antigos ministérios da Fazenda (MF), Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Planejamento e Orçamento (MPO) e no novo Ministério da Gestão, houve uma rearticulação para reestruturar as instituições vinculadas às pastas. A Suframa ficou sob o guarda-chuva do MDIC, mas as reestruturações de outros órgãos não terminaram. Por isso, decidiu-se por reunião interna que um técnico ficaria à frente da Suframa interinamente.
“O Marcelo Pereira, que foi nomeado como superintendente interino, tem uma boa tramitação política com a bancada parlamentar, e em nível nacional também. E também é um técnico que tem muitas habilidades profissionais, o que o torna apto”, disse.
A decisão foi tomada em conjunto com uma comissão formada por membros da Suframa com os representantes do ministério em Brasília.
“É claro que o cargo de superintendente da Suframa é uma indicação política do governo federal em acordo com os representantes dos grupos políticos locais, governo, prefeitura, bancadas, etc. Mas como essas negociações ainda estão se desenrolando, o governo federal preferiu nomear um técnico para dar andamento aos processos administrativos e à reorganização da instituição […] para que as atividades regulares pudessem ter um andamento normal”, destacou.
Desafios da Zona Franca
Como possível alvo da reforma tributária e da guerra fiscal entre os estados, a Zona Franca enfrenta grandes desafios no futuro. O industriário Saulo Maciel afirma que é importante que os demais governos da federação entendam que a indústria amazonense não está contra o Brasil e deseja se “integrar cada vez mais ao país e fazer parte da economia global tanto quanto eles. Os números não deixam mentir, o modelo é exitoso e funciona”.
Segundo os dados divulgados no início do mês, o Polo Industrial de Manaus faturou R$ 161,5 bilhões entre janeiro e novembro de 2022, o equivalente a 31,56 bilhões de dólares. O número representou um crescimento de 13,55% em relação a 2021. Em relação à mão de obra, o PIM gerou mais de 114 mil empregos efetivos, temporários e terceirizados.
Saulo destaca que a Zona Franca precisa se consolidar ainda mais nos próximos anos para fazer frente aos desafios futuros. Um ponto ressaltado pelo industriário é o “desafio de implementar outros segmentos” no polo industrial.
“O polo de fármacos, cosméticos, a bioeconomia, indústria de baixo carbono ou carbono zero, trabalhar para aumentar as exportações de produtos fabricados aqui para outros países, e aqui incluo um esforço que deve ser feito por todas as esferas governamentais para sermos ainda mais competitivos frente aos produtos estrangeiros”, disse.
Jessé Rodrigues também pontuou sobre os desafios e destacou que a reforma tributária apoiada pelo governo federal precisa “contemplar os objetivos e as necessidades” dos regimes especiais de tributação, incluindo a Zona Franca de Manaus.
O economista também apontou a necessidade de o polo industrial atrair “sistemas produtivos que estejam na fronteira da tecnologia” como o segmento de semicondutores e o farmacêutico, “que pode se beneficiar da biodiversidade” da região amazônica.
Defesa no Congresso
A atuação da bancada parlamentar na defesa da Zona Franca sempre foi um ponto em comum dentre todos os seus membros, independente da visão ou ideologia política.
Jessé Rodrigues destaca que os políticos do parlamento precisam defender o modelo no parlamento e não somente seus interesses específicos.
“A primeira coisa que se tem que fazer é mobilizar a sociedade civil, as organizações que pensam a economia, o desenvolvimento regional, para que se consiga construir uma ideia, um conjunto de argumentos sólidos com base em estudos científicos […] que permitam que se avalie os impactos na alteração do sistema tributário, produtivo, para que você tenha argumentos sólidos, e não apenas argumentos políticos”, pontuou.
Saulo Maciel ressaltou também que a defesa da Zona Franca não pode ser apenas um trabalho da bancada parlamentar e que outros estados da região precisam fazer parte da defesa dos modelos das áreas de livre comércio, existentes em todos os estados da Amazônia Ocidental e no Amapá.
“O governo do Amazonas e desses outros estados também tem seu papel que é de estreitar a relação e ampliar o diálogo com o governo federal para que a manutenção aconteça de fato. Aliado a isso, temos as associações setoriais e aqui rendo minhas homenagens ao Cieam, Fieam, Eletros e Abraciclo, que têm feito um trabalho excepcional e proficiente para subsidiar com dados, estudos e informações valorosas a defesa do modelo que deve ser feita pelo poder público”, afirmou.
Recentemente, o grupo de trabalho que discute a reforma tributária iniciou os trabalhos na Câmara. O GT conta com a participação de três deputados amazonenses: Adail Filho (Republicanos), Saullo Vianna (União) e Sidney Leite (PSD).
Um ponto de defesa que a bancada amazonense irá se apoiar é destacar que a ZFM não é a única a receber benefícios tributários e a importância do modelo para a preservação ambiental. Em entrevista ao sistema de notícias do jornal Estadão, Saullo Vianna ressalta que “temos 97% da floresta em pé por conta dos empregos gerados” pelo polo industrial de Manaus.
“Isso dá a oportunidade para que os homens e mulheres do Amazonas não tenham de, por exemplo, ir para o extrativismo ou qualquer atividade que agrida o meio ambiente”, afirmou Saullo.